Fortuna Critica

Elegância desatinada



Luiz Paulo Faccioli
Rascunho, Ano 3, n° 31 (Curitiba, novembro/2002)

Enquanto alguns autores teimam em ignorar a simplicidade perfeita da máxima à que já se renderam os melhores - o bom conto nada mais é do que uma história bem contada -, outros descobrem que contista habilidoso também é o que pega o leitor pela mão e o leva a conhecer o inusitado, encantando-o com a novidade, mesmo que a história não faça lá muito sentido. Descobrem, noutras palavras, que a história em si não tem a mesma relevância da forma buscada para narrá-la. Aqui encontramos Leonardo Brasiliense em seu Des(a)tino.

Segunda obra ficcional do gaúcho de São Gabriel, nela Brasiliense amplia a estética já anunciada em Meu sonho acaba tarde, de 2000, narrando uma mescla de realidade e onirismo com a letra firme de quem sabe polir o discurso até chegar ao essencial. E o essencial, nesse caso, é um universo esquisitíssimo.

Apesar do texto elegante e do apuro nas construções, não é uma leitura fácil. O leitor embarca num texto simples: "Vinha pela calçada quando, sem querer, tropecei numa vassoura e bati a cabeça na borda de uma lata de lixo. (...) me desacordei. Juntou-se até a infalível platéia, absorta na quebra de sua vida cotidiana e sem graça. Levantei (...) e logo percebi que minha existência toda estava mudada." Com a queda, o narrador de Os nomes - primeiro de um conjunto de seis contos - descobre ter adquirido a inexplicável capacidade de modificar a existência ao seu bel-prazer. A partir daí, tudo se complica. O que, a princípio, nos remeteu ao Sul, logo se transfigura num sumário da intenção do autor: enquanto o realismo cria um universo verossímil a partir do insólito e nele constrói a narrativa, Brasiliense se propõe a causar desconcerto fazendo cruzar insistentemente os fluxos de um real e de um imaginário, de tal sorte que o leitor desaprende rápido a distinguir onde acaba um, onde começa o outro. "A concretude me enfastiara há muito" e com ela "fico preso a um existir, e morro", explica o narrador, cantando a letra do que ainda está por vir.

Brasiliense maneja com segurança o que Valesca de Assis define, na apresentação do volume, como "o reverso das coisas" ou "uma escritura urdida no avesso". Enquanto isso, os dois melhores contos, Os funcionários de seu Mercês e João Jiló, herói de ninguém, realizam o que sempre se espera de uma boa história: o desfecho surpreendente vem pôr ordem no caos e explicar toda a estranheza que fustigou o leitor por páginas afora.

 

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